Os fatos mais relevantes da cidade como você nunca viu. Notícias com imparcialidade, investigação e crítica

sábado, 31 de março de 2007

A liberdade fica ao alcance dos olhos

Cadeia de Carmo da Mata permite o contato direto entre presos e pessoas que passam pela rua


Um visitante que chega pela primeira vez a Carmo da Mata, localizada na Região Centro-Oeste de Minas, e passa pela praça Governador Valadares, dificilmente perceberá que uma pequena casa azul, com uma porta lateral e duas janelas voltadas para a rua, abriga a cadeia pública. Ali encontram-se presos que cometeram crimes no município e que conseguem manter um contato direto com pedestres, vizinhos e, principalmente, familiares, o que não seria possível em uma penitenciária. Segundo os detentos, esse contato com o mundo fora das grades é que ajuda na espera pelo passar do tempo.

Preso por furto, há três meses, Rômulo da Silva Paixão, 19 anos, acredita que já teria terminado o seu namorado, se não fosse possível ver a namorada diariamente pelas janelas da cadeia. “Do jeito que é aqui, ajuda a passar o tempo. A minha namorada está sempre preocupada e vem me ver”, revela o detento, que aguarda julgamento.

O encontro diário entre Rômulo e a namora é separado por uma distância de cerca de três metros, espaço entre a cela no fundo do prédio, onde o detento se encontra, e a janela que dá para rua. Para a garota, de 16 anos, a distância é suficiente para uma conversa e para visualizar bem o namorado lá dentro. Do lado de fora, ela só precisa se equilibrar um pouco nas pontas dos pés para conversar melhor com o namorado porque o piso da cadeia fica um pouco acima do nível da rua.

Para a garota, a facilidade de comunicação se tornou fundamental para a manutenção do namoro, que já dura dez meses. Em três deles, com o namorado preso. “Dá para ver ele de fora todo dia. Não é sempre que tem visita. Acho difícil sustentar o namoro se eu visse ele só uma vez por semana”, revela a namorada, cuja identidade é preservada.

O contato mais próximo é possível nos dias de visita, sempre as segundas e sextas-feiras, de 13h30 às 17h, quando Ana Paula tem a permissão de entrar na cadeia e ficar bem próxima à cela. Por causa do crime recente, Rômulo, que divide o espaço com mais dois detentos, ainda não tem a permissão de ficar na zona livre, a área que permite o contato direito com o preso pela rua.

Já Ricardo Sidney Pereira (foto), que cumpriu um sexto da pena por homicídio, depois de passar três anos e oito meses na cela, teve a pena abrandada e passou para o regime semi-aberto. Há quatro meses, ele foi autorizado a deixar a cadeia durante o dia para trabalhar e ganhou a permissão de utilizar a zona livre.

A mãe de Ricardo, a dona de casa Alfredina Rubeira dos Santos Pereira, nem sempre consegue ver o filho durante o dia, no período que o filho deixa a cadeia para trabalhar. Por isso, ela costuma ir à cadeia no início da noite.“Tem dia que não teve como ver ele, por isso, dei uma passadinha aqui. A gente vem ver porque coração de mãe sofre muito”, justifica Alfradina.

Ricardo considera o local da prisão privilegiado e detestaria se fosse obrigado a cumpria a pena em uma outra cidade. “Eu diria que é menos ruim. Ficar perto da família, mesmo separado pela grade, é bem melhor do que não conseguir vê-los sempre”, observa.

O encontro, às vezes, serve para mãe e filho colocarem as tarefas de casa em dia. “Comprou o açúcar que eu te falei”, perguntou a mãe. “Não, amanhã pode deixar que eu passo lá”, responde.

Agente de polícia é carcereiro improvisado

O agente da Polícia Civil Ademir Vitorino dos Santos (foto) cuida da cadeia de Carmo da Mata há 20 anos. Apesar desse cuidado com os presos da cidade, ele não se considera um carcereiro, por não ter a função oficialmente reconhecida.

Os presos não são de responsabilidade da Polícia Civil, mas sim da Secretaria de Assuntos Penitenciários da Defesa Social do Estado. Como a cidade não tem representantes da Secretaria, Ademir assumiu a função.Contudo, ele faz questão de tratar bem os detento que ele os classifica como “de casa”. “Você acostuma. Eles são praticamente da família. É tudo muito tranqüilo. São as famosas galinhas de terreiro, vão e voltam”, brinca.

Ademir vai, no mínimo, quatro vezes ao dia na cadeia. Pela manhã, para receber o café e o liberar os presos para o trabalho, na hora do almoço, no fim da tarde para recolher os detentos e à noite, no horário do jantar.

Ele está presente também nos dias de visita para observar a conduta dos parentes junto aos presos. É um trabalho que requer 24 horas por dia”, afirma. Nesse tempo à frente da cadeia, Ademir já conviveu com oito fugas, a maioria delas com os presos escapando após perfurar a parede.

Ele sente não poder atender ao pedidos dos presos que reivindicam, principalmente, banho de sol. Segundo os presos, esse é o principal motivo de gripe entre eles. Ademir diz que acompanharia com prazer se os banhos de sol dos detentos fossem permitidos. “Mas é muita responsabilidade, qualquer coisa que acontecer sobra pra mim”, observa.

A alimentação é outra reclamação, um pedido que também fica longe do seu alcance, já que o serviço é terceirizado. Um restaurante da cidade ganhou licitação para entregar a comida diária na cadeia.

Como se a cadeia fosse a própria casa, o agente da Polícia Civil gosta de apresentar as melhorias ao longo dos anos. As duas celas possuem chuveiros quentes. Além disso, todos têm acesso à televisão e rádio, equipamentos que são levados pelos próprios detentos.

Mas não há previsão de ampliação, reforma ou construção de uma nova cadeia na cidade. A última modificação no prédio aconteceu em 2001, quando possibilitou a criação da área livre. As janelas da rua receberam grades com espaçamento de 4 cm (antes era de 15 cm) e a porta de entrada ganhou reforço com cadeados.

Contudo, a construção de uma nova cadeia sempre está na pauta de discussão entre autoridades do município que ficam num dilema: construir uma casa de detenção maior para abrigar melhor os presos, o que pode causar a transferência de presos perigosos, ou deixar a cadeia como está.

Vizinhos não se incomodam
A cadeia, construída na década de 20, faz parte da rotina dos moradores da cidade, principalmente dos vizinhos. O local serve até como ponto de referência. A Rua Amâncio Friaça, que nasce em frente a praça Governador Valadares, é mais conhecida como a “Rua da Cadeia” do que pelo nome original.

Vizinha de frente da cadeia, a aposentada Zilda Costa de Oliveira, diz que não se preocupa com a segurança de sua casa porque não vê perigo nos detentos. “Eu não tenho medo porque os presos são todos de Carmo da Mata, que a gente conhece as famílias”, comenta.

Já a também aposentada Guilhermina Limberti, a conhecida Minduca (foto), outra vizinha, prefere ficar “de olho” e deixar a casa sempre fechada. Não satisfeita, ela faz questão de procurar informações quando um novo preso vai para o local. “A gente deve ficar sempre observando”, ensina.

Apesar da desconfiança, ela admite que acaba “se soltando” na relação com os detentos. Minduca não gosta de ver sujeita na porta da cadeia e, vez ou outra, varre a frente da casa. Além disso, a aposentada aceitou que um dos detentos, que trabalha durante o dia, deixe a bicicleta na varanda de sua casa para evitar, ironicamente, que o veículo seja roubado.

Muito religiosa, Minduca sempre pede a Deus que ajude os presos. “A gente não pode ter dó, por causa do crime que cometeram. A gente reza para eles agüentarem ficar preso lá”, disse. A retribuição, ela diz, basta com os cumprimentos pela manhã. “Ei, tia Minduca, bom dia”, dizem os presos.

A presidente do Conselho Comunitário da cidade, Maria Lúcia Ribeiro Teodoro (foto), é outra amiga que os presos têm. Por determinação do juiz da comarca, ela vai à cadeia nos horários de visita para levar frutas para o detentos, mas também costuma atender a outros pedidos.

“Tudo que eles pedem, eu trago”, revela, mediante autorização do agente de polícia Ademir Vitorino. Os últimos pedidos foram uma presilha para montar um colar e uma bucha para tomar banho, que ela promete levar na próxima visita. Maria Lúcia também se reúne com os presos para rezar.

Polícia admite a insegurança

A delegada da cidade, Adriene Lopes de Oliveira Nunes, considera que a proximidade da cadeia com a rua pode acarretar problemas, já que, apesar de proibido, é difícil evitar que comida, objetos e até drogas sejam passados para o preso pelas janelas. Mas, por outro lado, ela garante que os presos não são perigosos e têm bom comportamento. “Se são perigosos, a gente não deixa aqui. Eles são presos disciplinados. Fugir dali é muito fácil. As paredes são de meio-tijolo. Estão ali numa boa, querem cumprir a pena”, garante.

A Polícia Militar de Carmo da Mata tenta coibir a prática dos contatos com os presos com rondas no local. “A gente sempre passa por lá para as pessoas não se aproximarem e não conversarem com os presos. Costumamos parar a viatura por cerca de meia hora todo dia”, explica o comandante do destacamento da PM, sargento Anderson José da Silva. Mas, ele reafirma que os militares não tem a função de vigia da cadeia.

Adriene, há um ano e oito meses como delegada, faz questão de explicar que não é responsabilidade da Polícia Civil do município tomar conta dos presos. “Os presos não são de responsabilidade da polícia, e sim da Secretaria de Assuntos Penitenciários da Defesa Social do Estado. Eles é que deveriam cuidar dos presos. É um abacaxi que sobrou para gente”, ressalta. A penitenciária mais próxima de Carmo da Mata é o Presídio Floramar, em Divinópolis.

Segundo a delegada, a cadeia tem capacidade para oito presos. Hoje, são sete os detidos: três na cela e quatro com permissão para ficar na área livre pois cumprem regime semi-aberto. Apesar da falta de segurança, a última fuga registrada em outubro de 2005. Na ocasião, apenas o preso, que furou um buraco na parede com um pedaço de madeira, acabou fugindo. O outro preso, que estava na cadeia, preferiu não fugir*.

(Matéria originalmente publicada no Hoje em Dia, de 08/01/2007, em convênio firmado entre o jornal e a PUC Minas. Produção para a disciplina Edição Jornalística, 2º semestre de 2006, do curso de Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo. Autores: Gabriel Senna, Sidney Gomes e Thiago Nogueira)
___________________________________________________________________
* No exato dia que a matéria foi publicada no jornal Hoje em Dia, na madrugada de 08/01/2007, o detento Nilton Gomes, 28 anos, natural de Betim, preso por duplo-homicídio, fugiu da cadeia de Carmo da Mata ao abrir um buraco na parede com uma colher de plástico. Ele não foi recapturado.

2 comentários:

Anônimo disse...

Muito boa essas matérias, parabéns aos autores! Alto nível!

Anônimo disse...

bom comeco