Cadeia de Carmo da Mata permite o contato direto entre presos e pessoas que passam pela rua
Já Ricardo Sidney Pereira (foto), que cumpriu um sexto da pena por homicídio, depois de passar três anos e oito meses na cela, teve a pena abrandada e passou para o regime semi-aberto. Há quatro meses, ele foi autorizado a deixar a cadeia durante o dia para trabalhar e ganhou a permissão de utilizar a zona livre.
A mãe de Ricardo, a dona de casa Alfredina Rubeira dos Santos Pereira, nem sempre consegue ver o filho durante o dia, no período que o filho deixa a cadeia para trabalhar. Por isso, ela costuma ir à cadeia no início da noite.“Tem dia que não teve como ver ele, por isso, dei uma passadinha aqui. A gente vem ver porque coração de mãe sofre muito”, justifica Alfradina.
Ricardo considera o local da prisão privilegiado e detestaria se fosse obrigado a cumpria a pena em uma outra cidade. “Eu diria que é menos ruim. Ficar perto da família, mesmo separado pela grade, é bem melhor do que não conseguir vê-los sempre”, observa.
Agente de polícia é carcereiro improvisado

Os presos não são de responsabilidade da Polícia Civil, mas sim da Secretaria de Assuntos Penitenciários da Defesa Social do Estado. Como a cidade não tem representantes da Secretaria, Ademir assumiu a função.Contudo, ele faz questão de tratar bem os detento que ele os classifica como “de casa”. “Você acostuma. Eles são praticamente da família. É tudo muito tranqüilo. São as famosas galinhas de terreiro, vão e voltam”, brinca.
Ele está presente também nos dias de visita para observar a conduta dos parentes junto aos presos. É um trabalho que requer 24 horas por dia”, afirma. Nesse tempo à frente da cadeia, Ademir já conviveu com oito fugas, a maioria delas com os presos escapando após perfurar a parede.
Ele sente não poder atender ao pedidos dos presos que reivindicam, principalmente, banho de sol. Segundo os presos, esse é o principal motivo de gripe entre eles. Ademir diz que acompanharia com prazer se os banhos de sol dos detentos fossem permitidos. “Mas é muita responsabilidade, qualquer coisa que acontecer sobra pra mim”, observa.
A alimentação é outra reclamação, um pedido que também fica longe do seu alcance, já que o serviço é terceirizado. Um restaurante da cidade ganhou licitação para entregar a comida diária na cadeia.
Como se a cadeia fosse a própria casa, o agente da Polícia Civil gosta de apresentar as melhorias ao longo dos anos. As duas celas possuem chuveiros quentes. Além disso, todos têm acesso à televisão e rádio, equipamentos que são levados pelos próprios detentos.
Mas não há previsão de ampliação, reforma ou construção de uma nova cadeia na cidade. A última modificação no prédio aconteceu em 2001, quando possibilitou a criação da área livre. As janelas da rua receberam grades com espaçamento de 4 cm (antes era de 15 cm) e a porta de entrada ganhou reforço com cadeados.
Contudo, a construção de uma nova cadeia sempre está na pauta de discussão entre autoridades do município que ficam num dilema: construir uma casa de detenção maior para abrigar melhor os presos, o que pode causar a transferência de presos perigosos, ou deixar a cadeia como está.
Vizinhos não se incomodam

Vizinha de frente da cadeia, a aposentada Zilda Costa de Oliveira, diz que não se preocupa com a segurança de sua casa porque não vê perigo nos detentos. “Eu não tenho medo porque os presos são todos de Carmo da Mata, que a gente conhece as famílias”, comenta.
Já a também aposentada Guilhermina Limberti, a conhecida Minduca (foto), outra vizinha, prefere ficar “de olho” e deixar a casa sempre fechada. Não satisfeita, ela faz questão de procurar informações quando um novo preso vai para o local. “A gente deve ficar sempre observando”, ensina.
Apesar da desconfiança, ela admite que acaba “se soltando” na relação com os detentos. Minduca não gosta de ver sujeita na porta da cadeia e, vez ou outra, varre a frente da casa. Além disso, a aposentada aceitou que um dos detentos, que trabalha durante o dia, deixe a bicicleta na varanda de sua casa para evitar, ironicamente, que o veículo seja roubado.
Muito religiosa, Minduca sempre pede a Deus que ajude os presos. “A gente não pode ter dó, por causa do crime que cometeram. A gente reza para eles agüentarem ficar preso lá”, disse. A retribuição, ela diz, basta com os cumprimentos pela manhã. “Ei, tia Minduca, bom dia”, dizem os presos.

A presidente do Conselho Comunitário da cidade, Maria Lúcia Ribeiro Teodoro (foto), é outra amiga que os presos têm. Por determinação do juiz da comarca, ela vai à cadeia nos horários de visita para levar frutas para o detentos, mas também costuma atender a outros pedidos.
“Tudo que eles pedem, eu trago”, revela, mediante autorização do agente de polícia Ademir Vitorino. Os últimos pedidos foram uma presilha para montar um colar e uma bucha para tomar banho, que ela promete levar na próxima visita. Maria Lúcia também se reúne com os presos para rezar.
Polícia admite a insegurança
A Polícia Militar de Carmo da Mata tenta coibir a prática dos contatos com os presos com rondas no local. “A gente sempre passa por lá para as pessoas não se aproximarem e não conversarem com os presos. Costumamos parar a viatura por cerca de meia hora todo dia”, explica o comandante do destacamento da PM, sargento Anderson José da Silva. Mas, ele reafirma que os militares não tem a função de vigia da cadeia.
Adriene, há um ano e oito meses como delegada, faz questão de explicar que não é responsabilidade da Polícia Civil do município tomar conta dos presos. “Os presos não são de responsabilidade da polícia, e sim da Secretaria de Assuntos Penitenciários da Defesa Social do Estado. Eles é que deveriam cuidar dos presos. É um abacaxi que sobrou para gente”, ressalta. A penitenciária mais próxima de Carmo da Mata é o Presídio Floramar, em Divinópolis.
Segundo a delegada, a cadeia tem capacidade para oito presos. Hoje, são sete os detidos: três na cela e quatro com permissão para ficar na área livre pois cumprem regime semi-aberto. Apesar da falta de segurança, a última fuga registrada em outubro de 2005. Na ocasião, apenas o preso, que furou um buraco na parede com um pedaço de madeira, acabou fugindo. O outro preso, que estava na cadeia, preferiu não fugir*.
(Matéria originalmente publicada no Hoje em Dia, de 08/01/2007, em convênio firmado entre o jornal e a PUC Minas. Produção para a disciplina Edição Jornalística, 2º semestre de 2006, do curso de Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo. Autores: Gabriel Senna, Sidney Gomes e Thiago Nogueira)